Reforma tributária deveria mirar em renda, patrimônio e grandes fortunas?
São Paulo — De todas as propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso, nenhuma toca num fato central: o Brasil é um dos países do mundo que menos tributam renda e patrimônio. Isso é frequentemente apontado por críticos, em especial da esquerda, e a estrutura tributária brasileira pode mesmo ficar mais justa — mas sem falsas ilusões.
“É verdade que o Brasil tributa pouco a renda, especialmente a renda das pessoas físicas, mas o assunto é um pouco mais complexo do que parece à primeira vista”, diz o economista Bernard Appy, um dos autores da reforma com a tramitação mas avançada no Congresso hoje, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45.
Não se deve esperar que o Brasil tribute a renda das pessoas físicas no mesmo nível dos países mais ricos, segundo ele, pois é um país mais pobre. “Isso é importante, porque, nos países desenvolvidos, a maioria da população paga imposto de renda, enquanto no Brasil a grande maioria é isenta”, diz.
Dados da Receita Federal trazidos pelo economista mostram que há 29,1 milhões de declarantes de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) no país, dos quais apenas 18,4 milhões tem imposto devido. Outros 10,7 milhões declaram, mas não tem imposto devido.
“Por conta dessa característica, não só o Brasil, mas a grande maioria dos países em desenvolvimento depende mais da tributação do consumo que da renda”, completa.
Mesmo assim, a receita de imposto de renda no Brasil em relação ao PIB é superior à da maioria dos países relevantes da América Latina. Os tributos sobre a propriedade também são os que mais arrecadam proporcionalmente na região, atrás só da Argentina.
A PEC 45, encampada por Appy, não mexe com a carga tributária brasileira, mas simplifica sua estrutura por meio de um novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificaria os federais ICMS, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS. A ideia é inspirada no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), amplamente usado em países desenvolvidos.
Não há incompatibilidade, segundo o economista, entre a PEC 45 e a agenda de mudanças no imposto de renda, na folha e na propriedade. “A decisão sobre se esses temas serão tratados conjuntamente ou não é do Congresso Nacional”, diz.
De acordo com dados divulgados pela ONG Oxfam Brasil na semana passada, a tributação sobre renda e patrimônio como proporção da carga tributária no Brasil é de 22%, contra 40% em países desenvolvidos. Já a tributação indireta (consumo) brasileira chega a quase 50%, enquanto, na OCDE, fica em 33%, na média. Essa tributação indireta tende a pesar mais sobre os mais pobres, pois eles gastam a maior parte da sua renda em consumo.
As pessoas que estão entre os 2% com menor renda do Brasil (pouco mais de R$ 800) contribuem proporcionalmente mais do que as pessoas que estão entre os 0,2% de renda mais alta no país (mais de R$ 375 mil). Enquanto o primeiro grupo paga, em média, 25% de sua renda em impostos, os mais ricos contribuem com apenas 7% de sua renda. A média é 19%.
“O Brasil é um país onde, se o cidadão ganha mais de 6 mil reais, já está nos 10% mais ricos. Então como cobrar muito mais ali? Vai cobrar de quem?”, diz Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica. Ele diz que a arrecadação não seria tão relevante.
“Se a pessoa ganha mais de 28 mil reais no Brasil, já está no 1% mais rico. Então qual alíquota traria algo relevante? Poderia aumentar um pouco, mas ainda assim a arrecadação seria muito baixa”, diz.
Gabriel Quintanilha, professor da FGV Direito Rio. considera haver espaço, ainda que limitado, para um aumento da alíquota do Imposto de Renda. Hoje, são cinco faixas de alíquotas muito próximas, segundo ele. É isento quem ganha até aproximadamente R$ 1.900 por mês e paga o máximo de 27,5% quem ganha acima de R$ 4,6 mil.
“Se a alíquota mais alta for até 35%, por exemplo – mas quando eu falo em aumentar não é pegar o indivíduo que recebe R$ 5 mil por mês, o que eu digo é ter um espaçamento de fases maior, começando com uma isenção em torno de R$ 3 mil, chegando aos 35% para quem ganha acima de R$ 20 mil. Isso traria uma justiça maior”, diz.
Membros da equipe econômica já circularam a possibilidade de corrigir a tabela do IR estabelecendo novas faixas, com alíquotas menores e menos brechas de deduções para os mais ricos.
Dividendos e heranças
Outra opção é a tributação de lucros e dividendos. A Estônia é hoje o único país da OCDE que não o faz, segundo recente do Ipea. O Brasil extinguiu essa cobrança em 1995, mas o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, já disse várias vezes que a volta do imposto está nos seus planos.
“Isso gera uma grande discrepância no Brasil. O empresário que recebe a distribuição de lucros no final do exercício está isento do pagamento do imposto de renda. Mas sua secretária, que recebe o salário de R$ 4 mil por mês, paga os 27,5% do IR”, diz Quintanilha.
O professor diz ainda que o imposto sobre heranças é muito baixo no país. “Em países como Estados Unidos e Inglaterra, a alíquota desse tipo de tributação chega a ser superior a 40%, enquanto que aqui no Brasil a alíquota máxima é 8%”, diz.
E as grandes fortunas?
Previsto pela Constituição Federal de 1988, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) nunca foi regulamentado e volta e meia volta ao debate.
Apesar de parecer justo do ponto de vista social, economistas apontam que os cidadãos-alvo desse tipo de tributação, de forma geral, têm facilidade para fugir da cobrança. Além disso, o retorno para os cofres públicos não é relevante.
“Justo, mas ineficaz. A arrecadação até pode ter um aumento num primeiro momento, porém, se olharmos para a experiência histórica, volta a cair”, diz Fagner Souza, líder da área de impostos da consultoria Mazars.
Um caso emblemático é o da França, onde esse tipo de tarifação ganhou o apelido de “imposto inglês”, lembra Souza, já que provocou a migração de muitos ricos para a Inglaterra.
Um caso famoso foi do ator francês Gérard Dépardieu, que se tornou cidadão belga e, posteriormente, russo, em protesto à decisão do ex-presidente da França, François Hollande, de taxar em 75% as grandes fortunas.
Para atingir mais os mais ricos, segundo Souza, tributar dividendos e corrigir as faixas do IR são os caminhos mais indicados.